Miguel Torga
(12.08.1907 -17.01.1995)
... ... pego na pena com o escrúpulo com que pego no bisturi.
(...)
Não é uma boa prosa que ambiciono, mas sim uma
claridade gráfica.
Gostaria de restituir às palavras a alma que lhes roubaram, e que a língua tivesse nas minhas mãos, além da graça possivel, uma dignidade insofismável.
(...)
Que cada frase, em vez de um habilidoso disfarce, fosse uma sedução e um acto.
Uma sedução sem condescendências, e um acto sem
subterfúgios.
Para tanto, limpo-a escrupolosamente de todas as
impurezas e ambiguidades, na porfiada esperança de que
a sua claridade se veja e se entenda.
E a vejam e entendam, sobretudo, os que não são
profissionais da literatura.
(...)
Diário Vlll-1958
quem me quiser
quem me quiser há-de saber as conchas
as cantigas dos búzios e do mar.
quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.
quem me quiser há-de saber a espuma
em que sou turbilhão, subitamente
ou então não saber coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente.
... ... ...
António Pelarigo (Rosa Lobato Faria/José Cid)